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segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Balanço verde


Grupos empresariais investem em relatórios anuais que contemplam maior transparência e ações sustentáveis


Por Juliana Facchin
Divulgação/O Boticário
Divulgação/O Boticário / Grupo Boticário montou a ação chamada 'Iniciativa de Gestão de Sustentabilidade para Fornecedores'
Sustentabilidade deixou de ser apenas uma palavra da moda - seja na TV, em jornais, revistas ou portais informativos. Ela ganhou o cotidiano das pessoas, está nas rodinhas de batepapo de donas de casa, e até diaristas, mais conscientes, começaram a lavar menos as suas calçadas e estão aprendendo a separar o reciclável do orgânico no lixinho da cozinha. Essa responsabilidade sustentável que vem sendo semeada, boa parte graças ao aumento do debate sobre o assunto, faz que a sociedade se torne uma consumidora mais verde; ou seja, ela vem aprendendo a escolher seus produtos e serviços com mais critério. Uma empresa sem ética e sem preocupação com o ambiente tem perdido crédito até com investidores. "A sustentabilidade está presente em diversos processos do negócio de cadeia e de valor dos grupos empresariais", resume Malu Nunes, gerente de responsabilidade social corporativa e sustentabilidade do Grupo Boticário.

Hoje em dia, para ser considerado um modelo de organização, a empresa precisa ser socialmente responsável, minimizar seus impactos ambientais e manter uma boa relação com seus stakeholders. Uma pesquisa recente realizada pela Deloitte com 390 executivos de todo o mundo revelou que 76% dos representantes acreditam que o valor de uma empresa deve ser medido pela contribuição positiva que ela faz para a sociedade e não apenas por seus lucros. É nesse cenário que os relatórios de sustentabilidade ganham cada vez mais espaço, pois, além de ferramenta de comunicação e transparência, eles atuam como um instrumento de gestão estratégica de ações para o futuro.

Mas por que esses relatórios são tão importantes? Quanto se deve investir? O que deve conter para fazer a diferença para a empresa? Segundo Estevam Pereira, jornalista e sóciodiretor da Report Comunicação (consultoria em sustentabilidade que tem entre seus clientes Natura, Braskem, Corinthians, Grupo Estado, Redecard, BM&FBovespa e, inclusive, a Conferência Rio +20), para que um relatório tenha sucesso é fundamental a presença de informações sobre o passado, o presente e o futuro da empresa. "Por passado entenda-se os indicadores de desempenho econômico-financeiros e socioambientais, por presente, os riscos e as oportunidades do negócio, os temas que são críticos para o sucesso (ou o fracasso) da empresa; e por futuro, as metas que ela estabelece para melhorar o seu desempenho ou enfrentar as questões críticas do negócio", revela Pereira, que também integrou a equipe de validação das diretrizes da Global Reporting Initiative (GRI) para o português. A GRI é a diretriz mais utilizada no mundo para elaboração de relatórios de sustentabilidade.
O investimento e o conteúdo podem variar de acordo com o que a empresa procura e deseja atingir. "Com relação a preço, pode variar de R$ 150 mil a R$ 900 mil. Com conteúdo é a mesma coisa. Já vi relatórios com 500 páginas, como o da BHP Billinton, e outros com 40 páginas, por exemplo. Esse número reduzido de páginas pode ser considerado ainda uma evolução no formato e também no combate do discurso corporativo vazio", esclarece.

A apresentação desses relatórios também faz a diferença. Os modelos mais comuns são impresso, em uma versão muitas vezes reduzida, e on-line. Mas há espaço para inovação. "Alguns relatórios foram transformados em filmes, páginas da internet, aplicativos interativos, CD de áudio, PDF, enfim, a busca do formato também é um grande desafio", garante o professor Marcus Nakagawa, sócio-diretor da Setor i - empresa de gestão integral para o terceiro setor e os pequenos empreendedores empresariais, que tem entre os clientes o Ministério da Cultura, a Oficina de Comunicação e o Centro de Estudos de Mídia, Entretenimento e cultura (Cemec) - e diretor-presidente da Associação Brasileira dos Profissionais de Sustentabilidade (Abraps).

Mas levanta um alerta em relação ao formato: "Não adianta uma empresa possuir um belíssimo relatório, muito bem redigido, e as informações não estarem condizentes ou traduzindo a realidade dos relacionamentos com os públicos envolvidos. Esse instrumento é somente uma parte de um processo de diálogo com os stakeholders para que a empresa busque o efetivo desenvolvimento sustentável", explica.

A linguagem é outro elemento que faz toda a diferença para que o relatório atinja todos os públicos, inclusive a imprensa. "Se fossem mais concisos, com uma linguagem mais próxima, os relatórios gerariam muitas pautas para formadores de opinião", afirma a professora Vivian Blaso, diretora da agência de Relações Públicas Conversa Sustentável.

"Seria super importante que existisse uma formação mais adequada para a imprensa conseguir ler e entender a lógica dos relatórios e o seu processo, além de treinamento para que o jornalista vá atrás da informação e verifique a veracidade e a real transparência da empresa", reforça Nakagawa.

Uma das soluções para melhorar a visão da mídia a respeito dos relatórios, a ponto de serem geradores de pautas, seria a capacitação sobre o assunto. No mercado, há opções oferecidas pela Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje) e o UniEthos, por exemplo.

O curso preparado pela Aberje aborda as vantagens e técnicas dos relatórios de sustentabilidade com o modelo mais utilizado no mundo, o GRI. Neste ano, haverá novas turmas em setembro (São Paulo) e outubro (Rio de Janeiro). O investimento para dois dias de curso é de cerca de R$ 2 mil para não associados da Aberje e as inscrições podem ser feitas pelo site da associação. Além desse curso, a Aberje, em parceria com a Natura, também já ofereceu um workshop dedicado a jornalistas, que contou com a participação de 45 profissionais de veículos como Folha de S. Paulo, Valor Econômico, Época Negócios, Jornal DCI, TV Gazeta, Envolverde, Rádio Record, Estadão e TV Cultura.

Já a parceria entre o UniEthos, o Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas (GVces) e a BSD foi a primeira do mundo a alcançar o credenciamento da GRI para ofertar o curso com certificação dessa organização. O primeiro curso aconteceu em abril de 2008 - dois meses após a certificação da GRI. Apesar da parceria inicial, desde 2010 o UniEthos oferece o curso separadamente das duas outras entidades. Vale a pena lembrar que esses cursos não são específicos para jornalistas e sim para todos que trabalham diretamente com relatórios de sustentabilidade e tenham interesse em aprender ou aprofundar os conhecimentos no tema.

 

BELEZA SUSTENTÁVEL


Criada há mais de 20 anos - época em que a consciência e a preservação como forma de sustentabilidade ainda não eram assuntos tão debatidos , a Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza é até hoje um dos exemplos de engajamento do Grupo, que reúne ainda as unidades de negócios O Boticário, Eudora e Skingen Inteligência Genética. "O Grupo Boticário fundamenta seu crescimento em valores sólidos, em que está inserida a preocupação com o meio ambiente e sua preservação, além do desenvolvimento social, gerando valor não só para a empresa, mas também para toda a sociedade", explica Malu Nunes, gerente de responsabilidade social corporativa e sustentabilidade do Grupo Boticário.

"Além da Fundação, temos a Iniciativa de Gestão de Sustentabilidade para Fornecedores, que incentiva a reflexão e adoção de práticas sustentáveis, o engajamento de stakeholders, gerenciamento de riscos, entre outros", afirma a gerente, ao observar que o relatório reflete a somatória de todas essas atividades, que têm tido reconhecimento externo. Prova disso foi o recente Prêmio Lide de Sustentabilidade, que reconhece empresas brasileiras ou estrangeiras que tenham projetos de sustentabilidade com padrões de excelência que vão além do exigido pelas legislações e convenções sociais, e também pelo destaque da inserção do tema na estratégia e cultura da organização.

O Grupo Boticário formalizou seu primeiro Relatório de Sustentabilidade na metodologia GRI em 2010, ano de criação do Grupo. Em 2009, a publicação se referia apenas à unidade de negócio O Boticário, que anteriormente relatava as ações em diferentes formatos e metodologias. A última versão impressa relatada teve 74 páginas e o formato on-line pode ser consultado no site: http://hotsites.grupoboticario.com.br/sustentabilidade/.

CONTEÚDO


 Um assunto que não deve ser esquecido, além da capacitação do profissional, é a qualidade do conteúdo desses relatórios. "Os relatórios atuais precisam melhorar na questão de materialidade, ou seja, falar de temas que sejam importantes para a empresa e para os stakeholders também. Eles já melhoraram muito comparando com os últimos três ou quatro anos, mas ainda têm muito a evoluir", opina Glaucia Térreo, coordenadora das atividades da GRI no Brasil. Ela pontua ainda os motivos que fazem cair a qualidade desses materiais: a falta de entendimento do que é um relatório, a própria metodologia e a imaturidade dos stakeholders locais. "Os relatórios são ferramentas de gestão, mas encontramos muitos com cara de 'propaganda'.

Além disso, a comunidade local deveria interagir mais com as empresas por meio desses relatórios", diz Glaucia.

Outro problema pode ser a repetição de informações. "Como as empresas declaram anualmente, há a grande possibilidade de serem repetitivos, pois diversas ações socioambientais das empresas são de médio e longo prazo, o que torna a sua releitura cansativa e prolixa ao longo do tempo. O que deve ser repensado é como relatar e produzir relatórios dinâmicos, de fácil leitura e que evitem a repetição de ações que já se tornaram parte da rotina das empresas", confirma o professor José Gonçales Junior, consultor em sustentabilidade empresarial e membro fundador da Rede de Inovação e Profissionais em Sustentabilidade.

O conselheiro de administração do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), Carlos Eduardo Lessa Brandão, compartilha uma receita para melhoria dos relatórios atuais. "Os relatórios deveriam ter abordagem mais estratégica, sendo criteriosos na definição do que será relatado (materialidade), visando a um relatório mais objetivo e menos extenso; utilizar metas e mostrar a evolução ao longo dos anos; considerar a cadeia de valor da empresa nos relatórios e adotar auditoria externa independente para as demonstrações financeiras e para as informações não financeiras (de sustentabilidade)", descreve Brandão.

O importante é saber que os relatórios anuais de sustentabilidade devem virar, em pouco tempo, pré-requisitos para muitos investidores e também para os novos consumidores verdes. Todas as empresas, independentemente do porte ou setor, podem relatar suas ações sustentáveis. "Basta se perguntar o que quer ganhar com esse relato: reputação? Acesso a crédito e financiamento? Gerenciamento de risco? Atração e retenção de talentos? Depois é só seguir o fluxo normal de qualquer projeto 'plan, do, check, act'", conclui Glaucia Térreo, da GRI.

MODELOS A SEGUIR


 Com diversos prêmios e reconhecimentos, inclusive no rol das 100 corporações mais sustentáveis do mundo (Corporate Knights Inc.) em 2011, a Natura pode ser considerada como modelo a ser seguido. Desde 2001, a empresa divulga seus relatórios de sustentabilidade. O deste ano foi baseado na versão G3.1 (modelo atual), do GRI, com 36 páginas a menos do que a versão do ano anterior. "Além de sintetizarmos o número de páginas, estamos em um constante processo de evolução no formato de nossos relatórios, com uma linguagem menos formal e mais jornalística. Também disponibilizamos o conteúdo impresso e on-line, para todas as plataformas", informa Rodolfo Guttilla, diretor de assuntos corporativos da Natura. A próxima mudança será evoluir o relatório para a nova geração (G4) do GRI, que está em processo de desenvolvimento. Para ele, o grande diferencial é envolver todos os públicos na construção do relatório anual. "Há um engajamento de todos os públicos de interesse, inclusive das nossas revendedoras e comunidade. Abrimos a discussão e perguntamos o que gostariam de verem relatados. Isso é muito importante para ajudar a identificar o conteúdo desse material", reconhece Guttilla.

Além disso, a Natura também é uma das empresas que compõem a sétima carteira do Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) da BM&FBovespa. Criado em 2005, o ISE é uma iniciativa pioneira na América Latina, que tem como objetivo funcionar como referência para o investimento socialmente responsável e atuar como indutor de boas práticas no meio empresarial brasileiro. "É o 4º índice de sustentabilidade do mundo. Todo ano mudamos a carteira e convidamos as 200 empresas mais líquidas para participar. Desse montante, são escolhidas no máximo 40. Neste ano, 38 empresas foram selecionadas", explica Sonia Favaretto, diretora de sustentabilidade da BM&FBovespa.

De acordo com ela, o ISE é apenas uma das iniciativas de ações de transparência da BM&FBovespA. Outra que também inclui a própria Natura é a de deixar pública, para quem quiser consultar, as respostas preenchidas no questionário de participação do ISE. "Das 38 empresas selecionadas, oito autorizaram a divulgação das respostas", afirma Sonia.

Durante a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio +20, a BM&FBovespa também aproveitou para apresentar os resultados da iniciativa "Relate ou Explique", que busca estimular as empresas listadas na bolsa a reportar aos stakeholders informações relacionadas à sustentabilidade. "Fizemos uma recomendação às empresas e ficamos contentes com o resultado, que apontou que 45,31% das empresas listadas relatam suas ações de sustentabilidade ou explicam o motivo de não fazerem isso", conta.

MAIS QUALIDADE


No momento em que os relatórios corporativos passam por grandes transformações, em questão de formato e linguagem, é importante levar em consideração a questão da inovação e da integração desses relatos. Foi o que apontou a pesquisa "Qualidade das informações - transparência e integração nas divulgações das companhias abertas", realizada pela Deloitte, com o apoio do Instituto Brasileiro de Relações com Investidores (Ibri), entre profissionais de RI representantes de 42 empresas. De acordo com o estudo, 51% dos profissionais responsáveis pelas áreas de relações com investidores acreditam que os modelos dos relatórios corporativos das empresas precisam ser mais inovadores e integrados. Dessa mesma amostra, 31% responderam que as informações, apesar de serem suficientes, poderiam ter mais qualidade. Já outros 15% apontam que o acesso precisa melhorar, enquanto apenas 5% dizem que elas são suficientes. "O intuito da pesquisa foi analisar e apontar quais têm sido as tendências, as melhores práticas no mercado mundial e como as pessoas envolvidas na área de RI as compreendem no Brasil. O padrão que se tem visto segue na direção de relatórios integrados, que permitem unir diversos aspectos - como informações numéricas, dados de sustentabilidade, riscos da empresa, governança corporativa, entre outros", explica Ricardo Florence, diretor-presidente do Ibri.

Bruce Mescher, sócio-líder de Global IFRS and Offerings Services (GIOS) da Deloitte, acrescenta ainda que o Brasil está passando por um momento de grande chamada pela transparência e que, comparado com anos atrás, o país está bem-posicionado nesse quesito. "A quantidade de informações tem aumentado, as empresas de capital aberto estão sendo cada vez mais exigidas e o formato de relatório integrado, em breve, substituirá o modelo atual", conclui.

QUEM JÁ ADOTOU O RELATÓRIO VERDE


De um total de 448 empresas de capital aberto analisadas, 96 publicam relatórios de sustentabilidade ou similares (21,43%); 107 não publicam, mas explicaram por que não o fazem (23,88%) e 245 não se manifestaram (54,69%). Já das 94 empresas que compõem a carteira vigente do IBrX Índice Brasil (empresas com mais liquidez), 49 publicam relatório (52,13%), 22 empresas não publicam, mas se manifestaram (23,40%) e 23 das empresas não se manifestaram (24,47%). Todos os resultados estão disponíveis para consulta no site http://isebvmf.com.br/.

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