Fonte: O Globo
Desconhecidas por muitos consumidores brasileiros, certificadoras ganham força como uma das ferramentas ambientais mais eficientes
RIO - Uma ida ao supermercado é capaz de nos tornar agentes contra o desmatamento da Amazônia, a poluição de rios, o trabalho escravo e o desperdício. Pouco percebidos nos rótulos, os selos verdes — ou certificações ambientais — trazem a consciência ambiental para os nossos carrinhos de compras. Eles nos orientam na escolha de produtos que respeitam a natureza e foram elaborados a partir de práticas sustentáveis. Quem consome um produto certificado pode, por exemplo, contribuir para que madeiras extraídas ilegalmente em reservas sejam menos competitivas e lucrativas.
— Infelizmente, poucos conseguem reconhecer o que tem por trás desse selo. O que ele representa, o que ele defende — reconhece Fabíola Zerbini, secretária-executiva do FSC Brasil (de Forest Stewardship Council, que certifica madeira). — Acho que isso se deve, primeiro, ao pouco tempo de entrada desses selos na vida das pessoas. O sistema de garantia social e ambiental tem 15, 20 anos.
Em uma pesquisa informal por supermercados, lojas de eletrodomésticos, de móveis e papelarias, a reportagem, sempre próxima a gôndolas com produtos certificados, abordou cerca de 20 pessoas, mas só encontrou quatro que conheciam algum selo. Duas lembraram do Procel, uma certificação para produtos que economizam energia que foi tema de diversas campanhas do governo, e outras duas pessoas mencionaram o Orgânico Brasil, do Ministério da Agricultura, que identifica alimentos sem agrotóxicos ou adubos químicos.
Muitos se disseram dispostos a gastar mais em produtos sustentáveis, mas reclamaram da falta de divulgação das iniciativas. Claramente politizada, a atriz Claudia Wer, cujo protesto contra a privatização do Maracanã em plena final da Copa das Confederações rodou o mundo, é uma dessas pessoas:
— Acho que falta informação, campanha mesmo. Se eu tivesse certeza que o animal é bem tratado, por exemplo, eu não teria problemas em pagar mais pelo produto.
Mesmo entre os que se preocupam com o que representam os itens no carrinho de compras, é difícil achar quem saiba de fato se certificar de que o produto comprado corresponde a suas expectativas. A reportagem achou no carrinho de Marcelo de Souza Silva, um lutador de MMA que disse só comprar produtos orgânicos, uma embalagem de hortaliças que dizia “verduras selecionadas”, mas não continha nenhum selo que comprovasse serem orgânicas, apesar de estarem nesta seção do supermercado. A falta do selo não significa que algo não é aquilo que diz ser, mas as certificações são uma das formas mais práticas e seguras de fazer essas escolhas.
O consumidor brasileiro já está preocupado com suas escolhas, mas não sabe como fazê-las — e desconfia das informações disponíveis. Segundo pesquisa feita no ano passado pelo Instituto Akatu, o brasileiro reconhece a importância de proteger o meio ambiente. Dados de 2010 mostram que 35% dos entrevistados buscam informação sobre responsabilidade social e ambiental. Em contrapartida, 49% não acreditam no que as próprias empresas dizem em relação a si mesmas nesse quesito, contra apenas 8% dos que acreditam.
— A questão tem sido mais abordada pela mídia e pelas empresas. Às vezes de forma inadequada, com anúncios que não são reais — diz Dalberto Adulis, gerente de Conteúdo e Metodologias do Akatu.
Em 2012, o Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) recebeu 21 denúncias de propaganda enganosa referente a apelos de sustentabilidade — dez acabaram em pedidos de alteração do anúncio, advertência e sustação da veiculação. Em um dos casos, uma empresa foi notificada por destacar em sua embalagem que a lata de alumínio era reciclável, como se fosse uma prática sustentável da companhia, quando todos os materiais do tipo já têm esta característica. O greenwashing, como é chamada esta prática, contribui para a desconfiança do consumidor. A aposentada Jaci Knap, por exemplo, tem preferência por orgânicos, mas não confia no que dizem as embalagens.
— Lavo do mesmo jeito — diz ela.
Estimativas dão conta de que hoje existem mais de 30 selos no mercado. No mundo, esse número pula para mais de 400. Para confiar, é preciso pesquisar quais bandeiras se quer levantar. Aqui, apresentamos 11 que são apoiadas pelo governo federal, ou organizações de defesa do consumidor. A maioria é reconhecida internacionalmente.
Falta consciência e sobra impunidade
Maior demanda dos consumidores, a divulgação sobre a existência e o objetivo dos selos verdes é rara. Como principal estratégia, as certificadoras confiam nas propagandas das próprias empresas portadoras de produtos com os selos. Além da falta de recursos para anúncios, as instituições esbarram em obstáculos como os preços com que os produtos certificados chegam ao mercado, a falta de punição a quem não cumpre as leis — e por isso pode vender mais barato — e o próprio estágio de conscientização dos brasileiros.
— Faltam essas campanhas, esses espaços de comunicação. A própria mídia tem despertado para isso mais recentemente ainda. Isso surge como pauta não tem três, quatro anos. Faz parte do processo. Mesmo que seja recente, vem forte. Acho que a situação vai mudar rapidamente — diz Fabíola Zerbini, secretária-executiva do FSC Brasil.
O FSC é um dos selos mais presentes nos lares brasileiros — é bem provável que um produto na sua casa o tenha. Ela está em embalagens, resmas de papel, revistas e outros. Fabíola admite que o consumidor ainda não pauta suas decisões nisso, mas garante que, entre as empresas, o selo é importante para transações comerciais. Ela conta, no entanto, que há muita madeira certificada na Amazônia sem compradores, já que a maioria “fecha os olhos” para poder pagar mais barato em produtos de procedência suspeita.
Segundo o Grupo Pão de Açúcar, de supermercados, a venda de produtos orgânicos aumenta em média 30% ao ano — sinal de que o Brasil corre atrás do prejuízo. Mas, lá fora, as certificações já ganharam um papel central. O Reino Unido é apontado como um dos países em que a cultura do consumo consciente é mais forte. Lá, a presença de um selo da Rainforest Alliance (RA), que certifica produtos agrícolas sustentáveis, aumentou em 30% a venda de café em lojas do McDonald’s em 2009, segundo informa Eduardo Gonçalves, secretário-executivo adjunto do Imaflora, certificadora da instituição no país. Contatado pela RA no Brasil, o McDonald’s afirmou que ainda não é a hora de certificar seus produtos aqui, conta Gonçalves. Procurada pela Revista Amanhã, a empresa afirmou que tem como objetivo certificar seu café, mas ainda não pode apresentar prazos.
Por causa da falta de interesse local, várias instituições atuam principalmente certificando produtos brasileiros para exportação. Segundo Gonçalves, há produtores de uva brasileiros que precisam do selo para serem aceitos na rede de supermercados americana Whole Foods. Já o Fairtrade International, o selo do comércio justo, tenta este ano entrar com mais força no mercado brasileiro, mas encontra dificuldade pela falta de reconhecimento dos consumidores.
— Pelo nível da economia no Brasil, entendemos que a demanda dos produtos já pode ir além do preço. Queremos que o consumidor comece a se questionar — explica Catalina Jaramillo, representante da instituição baseada no Rio.
Custo ainda é obstáculo
Outro obstáculo é a certificação de pequenos produtores sem recursos para pagar as auditorias necessárias para o selo. A fiscalização ocorre uma vez por ano. Ter um certificado custa de R$ 1,5 mil a R$ 150 mil — sem contar os custos da própria adequação às práticas sustentáveis, que pode ser ainda mais cara. As instituições admitem as dificuldades, mas oferecem fundos de ajuda e parcerias com empresas maiores para superá-las.
Mesmo com tanto rigor, o consumidor precisa estar sempre atento. Uma comparação entre a relação de produtos certificados pela Orgânico Brasil, do governo federal, com a “lista suja” do trabalho escravo, mantida pelo Ministério do Trabalho, apresentou uma coincidência: a Ervateira Catanduvas, fornecedora catarinense de erva-mate.
Por meio de seu advogado, a empresa afirmou que a denúncia não é verdadeira e que está recorrendo em um processo que ainda não transitou em julgado. Para que uma empresa entre na lista, não é preciso a condenação criminal, mas sim a conclusão de auditorias e o julgamento de diversos recursos, com oportunidade de defesa. Procurado pela reportagem, o Ministério da Agricultura não respondeu aos pedidos de entrevista sobre este caso.
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