por Amelia Gonzalez
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Imagem cedida pelo Ibase |
“Quem já leu um relatório de sustentabilidade empresarial?”. Minha pergunta, feita para as cerca de 40 pessoas da plateia num dos debates do Fórum de Sustentabilidade, que aconteceu em Minas Gerais no mês passado, ficou sem resposta. E eu, sinceramente, não me surpreendi. Ora, é mesmo difícil imaginar alguém muito interessado na leitura de um relatório de sustentabilidade corporativo, a menos que trabalhe numa grande empresa ou que tenha qualquer outro interesse profissional específico.
Mas, não era para ser assim…
Foi na década de 60 que se começou a ouvir falar, nos Estados Unidos, em corporações que passaram a publicar, junto com os demonstrativos econômicos, uma espécie de relato à sociedade com suas ações filantrópicas. Era uma reação, na verdade, ao boicote aos seus bens e ações incitado por grupos civis internacionais contrários ao engajamento dos Estados Unidos na Guerra do Vietnã.*
Na história do mundo corporativo, o registro oficial do primeiro balanço social feito no mundo é da norte-americana Singer, em 1972, ano da Conferência de Estocolmo. (No site atual da empresa, porém, não há nenhuma referência a isso). Aqui no Brasil, a primeira companhia a publicar seu relatório social teria sido a estatal baiana Nitrofértil, em 1984. Antes disso, em 1977, na França, uma lei passou a obrigar as empresas a fazerem essa divulgação, mas restritas à área trabalhista. No mundo todo, porém, os balanços sociais ou os relatórios de sustentabilidade, como atualmente são chamados, têm publicação voluntária.
Em 1997, com um texto publicado em jornais que movimentou o mundo empresarial brasileiro da época, o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, provocou os empresários a pensarem na possibilidade de ter “não somente um balanço financeiro das empresas, mas um social, para que o conjunto da sociedade tome conhecimento do que já avançamos e do que teremos ainda a avançar nessa direção”. O texto gerou muitos debates e, a partir disso, a ONG criada por Betinho, o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), lançou a campanha (ver imagem acima) pela divulgação anual do balanço social das empresas, trazendo a mensagem de que esse seria o “primeiro passo para uma empresa tornar-se verdadeira empresa cidadã”.
Em 1998, empresários criaram o Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social para mobilizar, sensibilizar e ajudar as empresas a gerirem seus negócios de maneira responsável. E, incorporando a planilha proposta pelo Ibase, criaram outro modelo de balanço social que este ano ganhou novos indicadores, lançados durante a Conferência Internacional do Instituto que aconteceu em São Paulo na semana passada (
veja aqui). Assim, as empresas passaram a ter à disposição aqui no Brasil o modelo Ibase, o modelo Ethos e o modelo GRI (Global Reporting Initiative), rede internacional lançada em 1997 pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) com o objetivo de adotar um modelo-padrão de balanço internacional.
Essa é a história. O que aconteceu depois disso são os fatos. As empresas passaram a ver nos balanços mais uma oportunidade para apresentar ao público suas ações socioambientais e, é claro, de forma a diferenciar prontamente sua marca. Assim, hoje em dia, as grandes corporações já internalizaram a tarefa de fazer anualmente o relatório socioambiental e muitas têm, inclusive, setores internos apenas voltados para isso. O resultado são livros lindíssimos, com ilustrações belíssimas, mas a maioria em tom autoelogioso demais, o que pode afetar sensivelmente a disposição do público leigo a fazer contato com eles.
E, no fim das contas, o objetivo principal de Betinho – “para que o conjunto da sociedade tome conhecimento” – fica, assim, comprometido.
Este debate veio à tona na mesa organizada pela Fundação Dom Cabral no Fórum, quando a vice-diretora executiva do GRI, Nelmara Arbex, falou à plateia, de Amsterdam, por teleconferência. Ela apresentou os estudos para a nova versão dos indicadores GRI (a quarta desde sua criação) que foi lançado em maio num evento com 1.700 pessoas. O título da nova versão é “Measure to manage to change”, ou seja, “Medida de gerenciar para mudar” em tradução livre.
—- As empresas têm que mudar sua forma de gestão com base em dois dados principais: os recursos naturais são finitos e as questões sociais também podem colocar um limite em suas ações. Assim, ela tem que se transformar e continuar existindo. Temos que aprender isso em pleno voo, rapidamente — disse ela.
Elaborar os relatórios seria, então, parte da gestão sustentável. E já há uma tendência bem forte para outro modelo, mais ousado, o do Relatório Integrado, conta Nelmara Arbex:
—- Hoje já existem cinco mil empresas em todo o mundo que fazem seus relatórios seguindo o modelo GRI, mas de 10 a 15 mil o fazem nos dois formatos. Como conectar os relatórios financeiros com os impactos socioambientais, os valores éticos e a governança da empresa é um movimento que está começando. Reconhecemos essa necessidade há uns dez anos, mas o caminho é longo mesmo.
Há novidades na quarta versão do GRI. As empresas vão precisar olhar além de suas operações centrais e mostrar todo o impacto que causam, tanto na cadeia de fornecedores quanto no pós-consumo. Para se chegar a esse modelo foram feitos 80 workshops com mais de dois mil participantes em consulta pública.
—- Um setor de grande impacto que ainda precisa mostrar mais transparência é o de agronegócios, e isso ficou bem claro nas consultas públicas – disse Arbex.
A roda gira, o movimento avança. E talvez a mensagem mais contundente que a executiva tenha passado durante o encontro tenha sido com relação à extensão dos relatórios. O GRI, segundo ela, não está mais interessado naqueles documentos enormes, de muitas páginas, onde a empresa faz um balanço geral de todos os seus impactos. Os novos relatórios baseados na quarta versão do GRI deverão ser mais concisos, mostrando exatamente onde é que a empresa está impactando mais e quais são as medidas tomadas para evitar muito estrago.
—- Se a empresa considerar que reduzir as suas emissões é a ação mais importante que está fazendo em prol do desenvolvimento sustentável, então este será o foco maior do relatório, com todos os detalhes que ajudam a promover a mudança. É importante ter foco porque sem foco, todos sabemos, não há resultado – concluiu Nelmara.
* Essa informação foi tirada do livro “Gestão Cidadã”, de Luiz Fernando da Silva Pinto